"Terminara o universo sem espetáculo, sem rasgão, nem clarão. Por definhamento, exaurido em desespero. E assim, vagamente, meu pai derivava sobre a extinção do cosmos. Primeiro, começaram a morrer os lugares-femeas: as nascentes, as praias, as lagoas. Depois, morreram os lugares-machos: os povoados, os caminhos, os portos.
- Sobreviveu apenas este lugar. É aqui que vivemos de vez.
Viver? Ora, viver é cumprir sonhos, esperar notícias. Silvestre não sonhava, nem aguardava notícia. No princípio, ele queria um lugar onde ninguém se lembrasse do seu nome. Agora, ele próprio já não se lembrava quem era.
Tio Aproximado deitava águas na fervura das paternas congeminações. Que o cunhado saíra da cidade por razões banais, comuns a quem sente ser possuído pela idade.
- Vosso pai queixava-se de que se sentia envelhecer.
Velhice não é idade, é cansaço. Quando ficamos velhos, todas as pessoas parecem iguais. Essa era a lamentação de Silvestre Vitalício. Os habitantes e os lugares já eram todos indistintos quando ele se decidiu pela viagem total. Outras vezes - e foram tantas vezes - Silvestre teria declarado: a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado".
"Vês como fico pequena quando escrevo para ti? É por isso que eu nunca poderia ser poeta. O poeta se engrandece perante a ausência, como se a ausência fosse o seu altar, e ele ficasse maior que a palavra. No meu caso, não, a ausência me deixa submersa, sem acesso a mim.
Este é o meu conflito: quando estás, não existo, ignorada. Quando não estás, me desconheço, ignorante. Eu só sou na tua presença. E só me tenho na tua ausência. Agora eu sei. Sou apenas um nome. Um nome que nao acende senão em tua boca".
(Antes de nascer o mundo, Mia Couto).
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